CAROLINA MARIA DE JESUS E O CONTEXTO PERIFÉRICO: VOZES DA MARGEM NA LITERATURA BRASILEIRA
Este artigo analisa a obra e o legado de Carolina Maria de Jesus, com foco na relação entre sua produção literária e o contexto periférico em que viveu. A partir de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960), examina-se como Carolina representou as condições de vida nas periferias urbanas brasileiras, abordando questões de raça, classe e gênero. Destaca-se a relevância de sua narrativa como ferramenta de denúncia social e resistência, bem como sua contribuição para os debates sobre exclusão e invisibilidade das populações marginalizadas no Brasil. Palavras-chave: Carolina Maria de Jesus, Literatura Periférica, Exclusão Social, Racismo Estrutural, Representatividade.
NARRATIVA AFROCENTRADA
Tamiris Eduarda
2/19/20254 min read


INTRODUÇÃO
Carolina Maria de Jesus (1914-1977) foi uma escritora, catadora de materiais recicláveis e mãe solo que transformou suas vivências na favela do Canindé, em São Paulo, em uma obra literária singular e poderosa. Publicado em 1960, Quarto de Despejo: Diário de uma Faveladatrouxe à tona as contradições sociais de uma sociedade marcada pela desigualdade estrutural e pelo racismo, narradas do ponto de vista de uma mulher negra e periférica.
Neste artigo, analisaremos como a experiência periférica moldou a obra de Carolina Maria de Jesus e de que forma sua escrita transcende a dimensão pessoal, tornando-se uma denúncia das condições de vida das populações marginalizadas no Brasil.
O CONTEXTO PERIFÉRICO: EXCLUSÃO E INVISIBILIDADE
O Brasil da década de 1950, quando Carolina Maria de Jesus começou a registrar seus diários, estava em um processo acelerado de urbanização. Esse crescimento, no entanto, não foi acompanhado por políticas de inclusão social, resultando no surgimento de grandes favelas nas áreas urbanas.
As periferias urbanas eram (e ainda são) marcadas pela ausência de infraestrutura básica, precariedade habitacional e falta de acesso a serviços essenciais. Para Carolina, viver na favela significava enfrentar diariamente a fome, o preconceito e a violência estrutural, temas que permeiam sua obra.
Como afirma Duarte (2018), Carolina transforma a favela de espaço de exclusão em espaço de resistência, utilizando sua escrita para evidenciar as contradições de uma sociedade que marginaliza grande parte de sua população.
RAÇA, GÊNERO E CLASSE NA NARRATIVA DE CAROLINA MARIA DE JESUS
A obra de Carolina Maria de Jesus não pode ser compreendida sem considerar a interseccionalidade entre raça, gênero e classe. Sendo uma mulher negra e pobre em um país estruturalmente racista e patriarcal, Carolina enfrentou múltiplas camadas de opressão que são refletidas em sua escrita.
Carolina denuncia o racismo ao narrar episódios de discriminação que vivenciou, mas também expõe a invisibilidade das mulheres negras nas narrativas dominantes. Sua condição de mãe solo, por exemplo, ilustra a sobrecarga das mulheres negras na sustentação das famílias, uma responsabilidade que muitas vezes não é compartilhada pelos homens.
Segundo Carneiro (2005), a narrativa de Carolina evidencia como o racismo e o sexismo operam conjuntamente para marginalizar as mulheres negras, relegando-as a posições subalternas na sociedade.
A ESCRITA COMO RESISTÊNCIA
Escrever, para Carolina Maria de Jesus, era um ato político. Em um contexto onde as populações periféricas eram (e ainda são) silenciadas, sua obra surge como uma forma de resistência e reivindicação de voz.
Seus diários, escritos em cadernos que ela encontrava enquanto catava papel, são marcados por um estilo direto e sincero, que não suaviza a realidade. Carolina não apenas narra sua experiência pessoal, mas também denuncia a negligência do Estado e da sociedade em relação às populações periféricas.
Como aponta Silva (2020), a escrita de Carolina desestabiliza as hierarquias tradicionais da literatura brasileira, que historicamente excluíram as vozes negras e periféricas.
A FAVELA COMO PROTAGONISTA
Em Quarto de Despejo, a favela não é apenas o cenário da narrativa, mas um personagem central. Carolina descreve a vida na favela do Canindé com um olhar crítico e sensível, revelando suas contradições.
A favela é apresentada como um espaço de sofrimento, marcado pela fome e pela violência, mas também como um espaço de solidariedade e resistência. Ao narrar sua vivência, Carolina transforma a favela de objeto de estudo para sujeito narrador, rompendo com a tradição de representação estigmatizada das periferias.
IMPATO E LEGADO DE CAROLINA MARIA DE JESUS
Apesar do sucesso inicial de Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus enfrentou o preconceito da crítica
literária, que frequentemente desvalorizava sua obra por sua origem periférica e estilo direto. No entanto, seu legado permanece relevante, especialmente em um contexto contemporâneo em que a literatura periférica ganha cada vez mais visibilidade.
Carolina abriu caminho para uma nova geração de escritores e intelectuais negros e periféricos, como Ferréz e Conceição Evaristo, que continuam a lutar por representatividade e justiça social. Sua obra também inspira debates sobre racismo, pobreza e exclusão, destacando a necessidade de uma sociedade mais inclusiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Carolina Maria de Jesus não foi apenas uma escritora; foi uma testemunha e cronista de sua época. Sua obra, marcada pela sinceridade e pela urgência, nos convida a refletir sobre as contradições de uma sociedade profundamente desigual.
Ao dar voz às populações periféricas, Carolina desafia os leitores a confrontarem a exclusão e o racismo que ainda marcam o Brasil. Seu legado nos lembra que a literatura pode ser uma poderosa ferramenta de resistência e transformação social.
REFERÊNCIAS
• CARNEIRO, S. (2005). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.
• DUARTE, E. (2018). Carolina Maria de Jesus e a literatura marginal: Vozes da resistência. Revista Estudos Literários, 45(2), 23-39.
• JESUS, C. M. de. (1960). Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. São Paulo: Francisco Alves.
• SILVA, T. (2020). A escrita como resistência em Carolina Maria de Jesus. Revista Brasileira de Literatura e Sociedade, 34(1), 45-60.
• SCHWARCZ, L. M. (2019). Sobre o Autoritarismo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras.