FRANTZ FANON, “ PELE NEGRA, MÁSCARAS BRANCAS ” E A SAÚDE MENTAL DA POPULAÇÃO NEGRA

Este artigo examina como as reflexões de Fanon ajudam a compreender os impactos do racismo na saúde mental da população negra, discutindo questões como alienação, despersonalização e o peso das expectativas sociais que impõem ao sujeito negro a necessidade de adaptação a padrões brancos de comportamento e identidade.

NARRATIVA AFROCENTRADA

Tamiris Eduarda

2/17/20254 min read

INTRODUCAO

Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo martinicano, é uma referência fundamental para os estudos sobre racismo, colonialismo e saúde mental. Em Pele Negra, Máscaras Brancas (1952), Fanon analisa os efeitos psicológicos do racismo estrutural sobre os sujeitos negros, explorando como a colonização molda a subjetividade e a autoimagem. Sua obra, que alia psicanálise, fenomenologia e teoria social, ainda ressoa nos debates contemporâneos sobre saúde mental da população negra, especialmente nas periferias e comunidades historicamente marginalizadas.

A PSICOPATOLOGIA DO RACISMO EM FANON

Para Fanon (1952), o racismo não é apenas uma questão social ou econômica, mas um fenômeno psíquico profundo, que estrutura a relação do sujeito negro consigo mesmo e com o mundo. Ele descreve como o colonizado internaliza o olhar do colonizador, sendo forçado a se ver através da perspectiva do branco. Esse processo de alienação gera um conflito psíquico intenso, no qual o negro busca se adequar a uma identidade branca, rejeitando sua própria história e cultura.

Fanon utiliza o conceito de "máscaras brancas" para explicar essa dinâmica: para ser aceito na sociedade colonial e racista, o negro sente a necessidade de adotar comportamentos e valores da branquitude, reprimindo sua subjetividade e ancestralidade. Esse fenômeno, segundo ele, resulta em angústia, neurose e uma série de sofrimentos psíquicos.

No contexto da saúde mental, essa análise permite entender como o racismo estrutural não se limita a discriminações externas, mas afeta profundamente a autoestima, a percepção de si e o bem-estar psicológico da população negra. Estudos recentes demonstram que a internalização do racismo pode levar a quadros de depressão, ansiedade e transtornos relacionados ao estresse pós-traumático (Nascimento, 2019).

RACISMO E A FORMACAO DA AUTOIMAGEM

Um dos aspectos mais centrais da obra de Fanon é sua reflexão sobre como o racismo estrutura a autoimagem do sujeito negro. Ele descreve, por exemplo, a experiência de uma criança negra que, ao perceber sua diferença em relação às crianças brancas, internaliza a inferioridade que a sociedade lhe impõe (Fanon, 1952).

Essa construção social da negritude como algo negativo tem reflexos profundos na saúde mental. Pesquisas indicam que crianças negras, desde cedo, enfrentam dificuldades na construção da autoestima devido à ausência de representações positivas de sua identidade em espaços como a escola e a mídia (Silva & Oliveira, 2021).

Além disso, Fanon argumenta que o racismo impõe ao sujeito negro uma dualidade existencial: ele é forçado a se ver tanto a partir da sua própria experiência quanto da maneira como os brancos o percebem. Esse estado de constante vigilância e adaptação gera fadiga psíquica, um fenômeno que, na atualidade, pode ser associado ao conceito de "cansaço racial" (Gonzalez, 1984).

SAUDE MENTAL DA POPULACAO NEGRA E A REALIDADE BRASILEIRA

No Brasil, a relação entre racismo e saúde mental pode ser observada no acesso desigual aos serviços psicológicos, na patologização da negritude e na falta de uma abordagem terapêutica antirracista. A ausência de psicólogos negros, bem como a predominância de um modelo eurocentrado de cuidado psicológico, fazem com que muitas das experiências do sofrimento negro sejam ignoradas ou minimizadas no ambiente clínico (Carneiro, 2005).

Outro ponto essencial é o impacto do racismo estrutural na vivência cotidiana da população negra. As condições socioeconômicas adversas, a violência policial e a exclusão do mercado de trabalho não apenas geram sofrimento psíquico, mas também reforçam ciclos de vulnerabilidade emocional. Fanon (1952) já alertava que o racismo não afeta apenas o indivíduo, mas toda uma coletividade, criando um sistema que perpetua o sofrimento psicológico dos sujeitos negros.

A interseccionalidade entre raça e classe social no Brasil faz com que a população negra esteja mais exposta a fatores de risco para transtornos mentais. Segundo pesquisa da Fiocruz (2020), pessoas negras periféricas apresentam maiores índices de ansiedade e depressão, agravados pela precarização da vida e pela insegurança social.

O PAPEL DA PSICOLOGIA E DAS POLITICAS PUBLICAS

Para romper com esse ciclo de sofrimento, é essencial que a psicologia e as políticas públicas reconheçam o impacto do racismo na saúde mental. Isso implica não apenas a inclusão de conteúdos sobre racismo na formação de psicólogos, mas também a criação de espaços terapêuticos que considerem as especificidades da subjetividade negra.

A psicologia antirracista, inspirada nos escritos de Fanon, busca uma escuta que valorize a história e as experiências dos sujeitos negros, entendendo que a superação dos impactos do racismo não pode ser tratada apenas em nível individual, mas exige transformações estruturais.

Além disso, movimentos sociais e iniciativas comunitárias têm desempenhado um papel fundamental na construção de alternativas de cuidado coletivo. Projetos de acolhimento psicológico voltados para a população negra, como a Clínica Amefricana e o Instituto AMMA Psique e Negritude, mostram a importância de um olhar que integre a identidade racial ao tratamento psicológico.

CONCLUSAO

As reflexões de Frantz Fanon em Pele Negra, Máscaras Brancas seguem sendo fundamentais para compreender o impacto do racismo na saúde mental da população negra. O colonialismo e a estrutura racista não apenas marginalizam economicamente os sujeitos negros, mas também afetam profundamente sua autoimagem, sua subjetividade e seu bem-estar psíquico.

O sofrimento mental da população negra não pode ser tratado de forma isolada, mas sim como um fenômeno social e político que exige enfrentamento coletivo. O reconhecimento do racismo como fator determinante da saúde mental deve estar no centro das políticas públicas e das práticas psicológicas, garantindo que o cuidado e o acolhimento respeitem a vivência e a identidade da população negra.

REFERENCIAS

CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2005.

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 1952.

FIOCRUZ. Relatório sobre Saúde Mental da População Negra. Rio de Janeiro, 2020.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afrolatinoamericano. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 2019.

SILVA, M.; OLIVEIRA, L. Autoestima negra na infância e a importância da representatividade. Revista Brasileira de Psicologia Social, v. 36, n. 2, p. 55-78, 2021.