OS OLHOS QUE CONDENAM: CONDENAÇÃO, JULGAMENTO E QUESTÕES ÉTNICOS-RACIAIS

O presente artigo busca refletir sobre como as estruturas raciais determinam o olhar social e jurídico lançado sobre corpos negros, intensificando práticas de condenação moral, criminalização precoce e carceramento em massa da população negra, especialmente jovens periféricos. Analisamos como tais práticas produzem efeitos psíquicos profundos, reforçando traumas históricos e subjetivos, invisibilizados nas políticas públicas e no sistema de justiça. Partindo de autores como Frantz Fanon (1952), Angela Davis (2016) e Achille Mbembe (2018), discute-se como o olhar branco-colonial impõe ao corpo negro uma condição de suspeição permanente, rompendo com o direito básico à humanidade e ao reconhecimento. Palavras-chave: Racismo estrutural; Carceramento em massa; Juventude negra; Psique negra; Direitos humanos.

Tamiris Eduarda

5/21/20253 min read

Introdução

A condenação da população negra não se dá exclusivamente no tribunal, tampouco apenas após uma sentença formal. O olhar social já determina, com frequência, uma culpabilidade prévia baseada na cor da pele e na origem social. Tal condenação, anterior ao julgamento, opera no campo da moralidade, da estética e da criminalização dos corpos negros e periféricos, afetando profundamente a subjetividade da população negra. Segundo Fanon (1952), o negro não é visto como homem, mas como um corpo negro, pré-carregado de sentidos que o desumanizam, estigmatizam e marginalizam. Este processo não apenas alimenta as estatísticas de encarceramento em massa, mas atua sobre a psique de jovens negros, suas famílias e comunidades, instaurando um ciclo contínuo de dor, medo, vergonha e silenciamento.

A condenação prévia: o olhar colonial como sentença

É necessário compreender que o sistema penal brasileiro, conforme aponta Davis (2016), é um dispositivo moderno de controle social que reproduz a lógica escravagista, ao transformar o cárcere em espaço de gestão de populações negras, pobres e periféricas. No Brasil, a juventude negra representa o maior contingente nas prisões e nos cemitérios (IPEA, 2020), e esse dado não é fruto do acaso ou da mera criminalidade. Trata-se, como Mbembe (2018) aponta, de uma necropolítica que autoriza a morte e a desumanização desses sujeitos ao lhes negar o direito ao futuro, ao presente e à dignidade básica.

O olhar que condena, portanto, atua antes da materialização do processo judicial. É o olhar que suspeita do jovem negro ao atravessar a rua; é o segurança que segue corpos negros em espaços elitizados; é o policial que atira primeiro e pergunta depois; é a sociedade que naturaliza tais práticas, criminalizando não apenas o ato, mas a própria existência negra.

Impactos psíquicos e subjetivos na juventude e nas famílias negras

Esse olhar social que condena tem efeitos profundos na constituição psíquica de jovens negros. Como descreve Kilomba (2019), o racismo não é apenas uma violência física ou simbólica, mas também uma violência epistêmica e psicológica, que inscreve no sujeito negro um sentimento de inadequação, vergonha, medo e autoacusação. A condenação social se internaliza, operando um autojulgamento constante, onde o jovem negro precisa monitorar seus gestos, roupas, fala e até mesmo seus sonhos, numa tentativa exaustiva de se esquivar do olhar branco que o define como perigoso e criminoso.

Além disso, a prisão de um membro da família negra reverbera em toda a estrutura familiar e comunitária, gerando estigmas, lutos, sentimentos de impotência e sofrimento crônico. Contudo, como denuncia Davis (2016), o sistema carcerário não oferece qualquer suporte psicológico, afetivo ou de saúde à população negra encarcerada, tampouco às famílias enlutadas e feridas pelo encarceramento em massa. Há, inclusive, uma negligência histórica em garantir os direitos humanos mais básicos a essas pessoas, reforçando a ideia de que seus corpos são descartáveis.

Direitos humanos negados: o cárcere como espaço de morte e silenciamento

Não é apenas a liberdade física que é retirada das pessoas negras presas, mas também o direito à saúde, à integridade e à assistência psicológica. Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT, 2023), as violações em presídios brasileiros atingem de maneira brutal a população negra, que compõe cerca de 68% da massa carcerária (DEPEN, 2023). Além das torturas físicas, há a omissão de cuidados básicos, tratamentos médicos, educação e assistência social.

Essa lógica de morte anunciada opera como continuidade do projeto colonial, em que, como Fanon (1952) denuncia, o negro é visto como corpo à deriva, sem direitos, sem rosto, sem dignidade. Dessa maneira, o sistema prisional se configura como uma zona de não-ser, onde a existência negra é destituída de humanidade.

Conclusão

Portanto, discutir o encarceramento em massa da juventude negra é discutir a permanência do racismo estrutural em suas dimensões mais perversas: a condenação social antes mesmo do julgamento jurídico; a perpetuação da violência psíquica e subjetiva contra jovens negros e suas famílias; e a legitimação de um sistema penal racista que opera com base na lógica colonial de dominação e extermínio. Romper com essa estrutura exige não apenas políticas públicas efetivas, mas um profundo enfrentamento ao olhar social que condena, criminaliza e mata simbolicamente a juventude negra todos os dias.

Referências

DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? Rio de Janeiro: DIFEL, 2016.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 1952.

IPEA. Atlas da violência 2020. Brasília: IPEA, 2020.

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018.

MNPCT. Relatório Nacional de Prevenção à Tortura 2023. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2023.

DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - 2023. Brasília: Ministério da Justiça, 2023.